Nunca fui muito fã de Woody Allen. Seu estilo altamente verborrágico costuma me cansar. Demanda demais do raciocínio, esgota sinapses velhas e as novas que surgem diante de sua obra, são logo engolfadas pelas "explicações" psicologizantes no enredo. Mas gosto de alguns de seus filmes, quando ele consegue explorar outros modos relacionais que não as repetições habituais de sua auto-biografia. Foi assim que me senti diante do Vicky... no qual explora algumas possibilidades de Eros se fazer presente, seja por sua negação, seja pelo desespero, seja pela sua fugaz aparição que sempre nos deixa a sensação de que "falta algo". Mesmo quando não falta parece que, ainda assim, a insatisfação diante do "perfeito" prossegue. Quando o triângulo se estabiliza, o ideal romântico se impõe, ilustrado no filme pela "verdade" seguida à risca por Cristina: "Ela não sabia o que queria, mas sabia o que não queria". Esse filme retrata um tanto a emboscada da perfeição amorosa, denunciada por Jurandir Freire no livro "Sem Fraude, Nem Favor - Estudos sobre o Amor Romântico", no qual busca as origens históricas desse engodo em nossa cultura.
Há filmes que retratam; há os que remetem. Woody Allen retrata, conversa. Outras obras de outros autores e diretores me pegam pelas vísceras, sem me perguntarem nada. Prefiro estes.
14/12/2008
02/12/2008
15/11/2008
descompasso
Ana amava Pedro.
Pedro amava Pedro
pelo olhar de Ana.
Ana deixou a pedra.
Ana amava Marco.
Marco amava Telma.
Telma amava Telma
pelo olhar de Marco.
Marco deixara Telma
Marco amava um marco.
Pedro, Mari-Ana.
Ana passou a amar Ana
pelo olhar de quem Ama.
Pedro amava Pedro
pelo olhar de Ana.
Ana deixou a pedra.
Ana amava Marco.
Marco amava Telma.
Telma amava Telma
pelo olhar de Marco.
Marco deixara Telma
Marco amava um marco.
Pedro, Mari-Ana.
Ana passou a amar Ana
pelo olhar de quem Ama.
01/11/2008
conceito
Li dois livro do Gabriel Gárcia Márquez, mas parece que comecei com esse autor pela porta dos fundos... Li o Memória de minhas putas tristes e o Viver pra contar - não sei se é esse o nome correto, é aquele... o auto-biográfico. Gostei, mas não me apaixonei. E ficava pensando: o que o povo viu que eu não vi nesse autor? Assim sendo, deixei de lado a idéia de ler o Cem Anos... e O amor nos tempos do cólera... Até ontem, quando vi o filme sobre esse último livro. Lindo! Apaixonante!
Me fez lembrar de uma amiga que estuda Merleau Ponty que defende a idéia de que a obra é maior que o autor. "O que" ou "como" Gabriel escolheu para contar de sua vida nos dois únicos livros que li, quase me afastaram por completo de me aproximar do melhor que ele fez.
O pior é que não é nem pre-conceito, foi caso de conceito errôneo mesmo. Peguei uma parte e lidei como se fosse o todo.
Mas... o filme salvou os livros.
Me fez lembrar de uma amiga que estuda Merleau Ponty que defende a idéia de que a obra é maior que o autor. "O que" ou "como" Gabriel escolheu para contar de sua vida nos dois únicos livros que li, quase me afastaram por completo de me aproximar do melhor que ele fez.
O pior é que não é nem pre-conceito, foi caso de conceito errôneo mesmo. Peguei uma parte e lidei como se fosse o todo.
Mas... o filme salvou os livros.
20/10/2008
Era uma vez um menino muito comilão. Em restaurantes, por exemplo, ficava tão confuso frente a imensa variedade oferecida no cardápio que cansava de ler e pedia que o acompanhante escolhesse por ele. Tão glutão que comendo macarrão pensava no frango e se flagrava prestando atenção no cheiro do vatapá da mesa ao lado.
Nenhuma roupa lhe caía bem... o menino ficava triste pois a menina que ele gostava estava afastada dele, movimento este que ele passou a chamar de "o momento dela". Ele só não tinha percebido que sempre que estava ao lado da menina, sua dispersão continuava, pois seus pensamentos vagavam pelas comidas ingeridas e pelas não provadas ainda.
A mãe levou o menino ao médico. O médico prescreveu um cardápio e um regime. O menino teria que descobrir outras fontes de satisfação que não a comida. Caminho difícil... imposto radicalmente. O que fazer?
Com uma vigilância permanente sobre o que colocaria na boca, o menino passou a ilusionar que comia. Da ilusão, passou à fantasia. Fantasiava fartas ceias, exuberantes almoços, repletos de apetitosas sobremesas. Transcorrido algum tempo, passou a se alimentar de sonhos. Dormia boa parte do tempo e sonhava.... com o pudim, com a cesta de pães, com o sorvete, com o fast food...
Pobre menino! A mãe e o médico estavam satisfeitos com o "sucesso" do tratamento. O menino perdia peso. Como a mãe só permitia que ele dormisse de olhos fechados à noite, o menino passou a fingir que estava acordado. Virou um sujeito ligado no automático, deixando o corpo no lugar onde colocavam, o pensamento na vilância dos atos, mas o sentimento capturado na comida, ou em sua fonte.
O fenômeno foi tomando uma proporção tamanha que o menino passou a se recusar a comer. Sempre que estava próximo a uma comida que lhe parecia apetitosa, mantinha-a distante para preferir imaginar o sabor, a consistência, o aroma...
Isolado em seu mundo entricheirado por comida, o menino automatizado só se deixava alimentar pela mãe sob a crença de que ela sabia o que era melhor para ele. Mas quando o menino ousava experimentar outro sabor, daqueles que tinha sonhado, sentia-se tão culpado que dava um jeito da mãe saber para que ralhasse com ele. Expiava sua culpa assim.
Assim passaram-se os meses, os anos, as décadas...Mudou de escola, de cidade, de país. No final da adolescência começou a cursar medicina. Especializou-se em cirurgia plástica e com o crescimento e mudanças hormonais, nem se deu conta que trocou a imagem do pensamento: da comida para mulheres. Perseverante em seu modo automático, provava algumas namoradas, servindo-as gentilmente a fim de tentar compensar o automatismo.
Automatismo ou continuísmo? Não é que o menino não tinha vontade própria. Tinha sim! Mas ficou tão acostumado a camuflar seus desejos que a voz própria lhe faltava à boca. Num vislumbre do núcleo de seus sentimentos e palavras emprestadas do invólucro de seus pensamentos, uma vez pronunciou: "Sou como um bulímico, como, como, como e digo que foi a comida que pulou na minha boca." Que baita confusão o menino se fazia!
Infenso à honestidade, o menino era farto em verdades.Desenvolveu o recurso da sedução para fazer-de-conta que construía elos afetivos. A "comida", que porventura lhe pulasse à boca, era mastigada, engulida ou cuspida, nunca saboreada.
Nunca conheci esse menino; ele nunca me viu. Soube da existência dele por livros, filmes e histórias. Mas já viu... quem conta um conto....
Nenhuma roupa lhe caía bem... o menino ficava triste pois a menina que ele gostava estava afastada dele, movimento este que ele passou a chamar de "o momento dela". Ele só não tinha percebido que sempre que estava ao lado da menina, sua dispersão continuava, pois seus pensamentos vagavam pelas comidas ingeridas e pelas não provadas ainda.
A mãe levou o menino ao médico. O médico prescreveu um cardápio e um regime. O menino teria que descobrir outras fontes de satisfação que não a comida. Caminho difícil... imposto radicalmente. O que fazer?
Com uma vigilância permanente sobre o que colocaria na boca, o menino passou a ilusionar que comia. Da ilusão, passou à fantasia. Fantasiava fartas ceias, exuberantes almoços, repletos de apetitosas sobremesas. Transcorrido algum tempo, passou a se alimentar de sonhos. Dormia boa parte do tempo e sonhava.... com o pudim, com a cesta de pães, com o sorvete, com o fast food...
Pobre menino! A mãe e o médico estavam satisfeitos com o "sucesso" do tratamento. O menino perdia peso. Como a mãe só permitia que ele dormisse de olhos fechados à noite, o menino passou a fingir que estava acordado. Virou um sujeito ligado no automático, deixando o corpo no lugar onde colocavam, o pensamento na vilância dos atos, mas o sentimento capturado na comida, ou em sua fonte.
O fenômeno foi tomando uma proporção tamanha que o menino passou a se recusar a comer. Sempre que estava próximo a uma comida que lhe parecia apetitosa, mantinha-a distante para preferir imaginar o sabor, a consistência, o aroma...
Isolado em seu mundo entricheirado por comida, o menino automatizado só se deixava alimentar pela mãe sob a crença de que ela sabia o que era melhor para ele. Mas quando o menino ousava experimentar outro sabor, daqueles que tinha sonhado, sentia-se tão culpado que dava um jeito da mãe saber para que ralhasse com ele. Expiava sua culpa assim.
Assim passaram-se os meses, os anos, as décadas...Mudou de escola, de cidade, de país. No final da adolescência começou a cursar medicina. Especializou-se em cirurgia plástica e com o crescimento e mudanças hormonais, nem se deu conta que trocou a imagem do pensamento: da comida para mulheres. Perseverante em seu modo automático, provava algumas namoradas, servindo-as gentilmente a fim de tentar compensar o automatismo.
Automatismo ou continuísmo? Não é que o menino não tinha vontade própria. Tinha sim! Mas ficou tão acostumado a camuflar seus desejos que a voz própria lhe faltava à boca. Num vislumbre do núcleo de seus sentimentos e palavras emprestadas do invólucro de seus pensamentos, uma vez pronunciou: "Sou como um bulímico, como, como, como e digo que foi a comida que pulou na minha boca." Que baita confusão o menino se fazia!
Infenso à honestidade, o menino era farto em verdades.Desenvolveu o recurso da sedução para fazer-de-conta que construía elos afetivos. A "comida", que porventura lhe pulasse à boca, era mastigada, engulida ou cuspida, nunca saboreada.
Nunca conheci esse menino; ele nunca me viu. Soube da existência dele por livros, filmes e histórias. Mas já viu... quem conta um conto....
16/10/2008
Pessoa
A Dor é do Poeta ou da Poesia?
(por Fernando Pessoa)
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(por Fernando Pessoa)
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
11/10/2008
mata
mata adentro
mundo aflora
um arrebata
outro deplora
um arremata
outro desmata
mundo adentro
vida afora
mundo aflora
um arrebata
outro deplora
um arremata
outro desmata
mundo adentro
vida afora
mais Machado
em: "A mão e a luva"
"Sonhará uns amores de romance, quase impossíveis? digo-lhe que faz mal, que é melhor, muito melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir."
"Sonhará uns amores de romance, quase impossíveis? digo-lhe que faz mal, que é melhor, muito melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir."
08/10/2008
princípio
A vida é dura! Pra todo mundo! Independente do gênero da espécie: homens e mulheres têm que se virar para dar conta de trabalhar, estudar, cuidar de casa, boa educação dos filhos, aquisição e preservação de patrimônios. Aliás, a palavra "patrimônio" vem do latim patrimonius e tem por significado: herança paterna; bens de família; bens necessários para ordenar um eclesiástico; dote dos ordinandos; propriedade. Caberia falar em "patrimônio" na subjetividade?
Qual seria então a palavra que designaria bens acumulados para o viver bem?
Na certa, não seria seu correlato oposto "matrimônio", pois nesta passagem o sentido na cultura se esvai: união legítima do homem com a mulher; casamento; consórcio; sacramento da Igreja que valida, perante Deus, a união conjugal.
Jesus! Não há palavra na cultura para validar essa herança?
Mudando de pato pra ganço, como diz minha mãe, estava eu ouvindo em alto volume meu Paco de Lucia no carro (música boa não consigo ouvir baixo... acho um desperdício!), quando embiquei na garagem na espera do portão se abrir. Havia uma reunião de pessoas uniformizadas, denotando uma configuração legítima de trabalho. Uma cabeça se volta para a música, os olhos de uma mulher se voltam para o meu carro e ela sorri para mim.
Envorganhada por, inadvertidamente, invadir a tal reunião de trabalho, abaixei o volume do som. A mulher voltou seus olhos para o sujeito que falava ao grupo, não sem antes balançar a cabeça positivamente olhando para mim.
Pequeno gesto de encontro.
Paco de Lucia não serve pra nada quanto ao trabalho que o grupo de pessoas terá que desenvolver. Mas foi um princípio feminino que reconheceu sua presença no ambiente. Princípio que, graças ao deuses, não é de uso capião da mulher, do contrário não existiria Paco de Lucia.
Qual a compatibilidade desse princípio que colore a vida e que não cabe no patrimônio?
Que as próximas gerações nos ensinem.... Amém!
Qual seria então a palavra que designaria bens acumulados para o viver bem?
Na certa, não seria seu correlato oposto "matrimônio", pois nesta passagem o sentido na cultura se esvai: união legítima do homem com a mulher; casamento; consórcio; sacramento da Igreja que valida, perante Deus, a união conjugal.
Jesus! Não há palavra na cultura para validar essa herança?
Mudando de pato pra ganço, como diz minha mãe, estava eu ouvindo em alto volume meu Paco de Lucia no carro (música boa não consigo ouvir baixo... acho um desperdício!), quando embiquei na garagem na espera do portão se abrir. Havia uma reunião de pessoas uniformizadas, denotando uma configuração legítima de trabalho. Uma cabeça se volta para a música, os olhos de uma mulher se voltam para o meu carro e ela sorri para mim.
Envorganhada por, inadvertidamente, invadir a tal reunião de trabalho, abaixei o volume do som. A mulher voltou seus olhos para o sujeito que falava ao grupo, não sem antes balançar a cabeça positivamente olhando para mim.
Pequeno gesto de encontro.
Paco de Lucia não serve pra nada quanto ao trabalho que o grupo de pessoas terá que desenvolver. Mas foi um princípio feminino que reconheceu sua presença no ambiente. Princípio que, graças ao deuses, não é de uso capião da mulher, do contrário não existiria Paco de Lucia.
Qual a compatibilidade desse princípio que colore a vida e que não cabe no patrimônio?
Que as próximas gerações nos ensinem.... Amém!
01/10/2008
28/09/2008
será Vulto?
Nada vago
tudo em voga
Sua voz roça
minha tez
Calado açoite
de cálida fonte
molha um olho
outro esconde
te gosto mesmo
sem as idéias,
lógica à esmo
parada em aldeias
enfim, um fim
se lá ou cá
dúvida sempre
se algo de mim
tudo em voga
Sua voz roça
minha tez
Calado açoite
de cálida fonte
molha um olho
outro esconde
te gosto mesmo
sem as idéias,
lógica à esmo
parada em aldeias
enfim, um fim
se lá ou cá
dúvida sempre
se algo de mim
14/09/2008
escrita
"Diferentemente da fala, a escrita é significado que se libertou de sua fonte."
(Terry Eagleton)
HIATUS IRRATIONALIS
De J.Lacan
Coisas, que corram em vós o suor ou a seiva,
Formas, que nascidas sejam da forja ou do sangue,
Vossa torrente não é mais densa que meu sonho;
E, se não os oprimo com um desejo incessante,
Atravesso vossa água, desabo na areia,
onde me atrai o peso do meu demônio pensante.
Só, ele bate no duro chão onde o ser se eleva,
Ao mal cego e surdo, ao deus privado de sentido.
Mas, assim que perece todo verbo na minha garganta,
Coisas, que nascidas sejam do sangue ou da forja,
Natureza, eu me perco no fluxo de um elemento:
Este que aninha em mim, o mesmo vos subleva,
Formas, que corram em vós o suor ou a seiva,
é o fogo que me faz vosso imortal amante.
Coisas, que corram em vós o suor ou a seiva,
Formas, que nascidas sejam da forja ou do sangue,
Vossa torrente não é mais densa que meu sonho;
E, se não os oprimo com um desejo incessante,
Atravesso vossa água, desabo na areia,
onde me atrai o peso do meu demônio pensante.
Só, ele bate no duro chão onde o ser se eleva,
Ao mal cego e surdo, ao deus privado de sentido.
Mas, assim que perece todo verbo na minha garganta,
Coisas, que nascidas sejam do sangue ou da forja,
Natureza, eu me perco no fluxo de um elemento:
Este que aninha em mim, o mesmo vos subleva,
Formas, que corram em vós o suor ou a seiva,
é o fogo que me faz vosso imortal amante.
13/09/2008
Caso de faculdade
Conheceram-se na faculdade de Letras. Já não lembravam ao certo como se apresentaram, mas parece que em ambas versões aparecia como pretexto um trabalho solicitado na disciplina de Comunicação Intermitente. A professora dessa matéria electiva solicitou aos alunos que escolhessem um interlocutor em sala e com ele trocasse, durante um semestre, algumas cartas cuja temática seria eleita por ambos. Assim, talvez porque sentavam próximos, escolheram-se.
Nas primeiras missivas deixaram com que os assuntos bailassem por campos variados de conhecimentos, preferências, numa verborragia sobre o óbvio. Com o passar do tempo, as cartas foram se modelando como uma massa de argila que vai tomando forma conforme o tato, a umidade e intensidade das mãos que a toca.
Eles não perceberam que sorrateiramente terrenos obscuros escancaravam-se nas letras. Uma série de símbolos resultavam em frases reveladoras à mão, ao corpo e alma do escriba.
O interessante é que a comunicação verbal entre ambos parecia não se beneficiar do conteúdo das cartas; aqueles dois se utilizaram um do outro para dar vida a personagens romanescos confinados ao papel.
Passados meses de intensos solilóquios, juntaram parte do material, entregaram os escritos e continuaram sentados próximos um ao outro sem jamais se apresentarem pra além da liquidez da letra.
Entre uma literal entrega e uma entrega literária, preferiram a segunda.
12/09/2008
trecho de Helena
de Machado de Assis
"O melhor modo de viver em paz é nutrir o amor-próprio dos outros com pedaços do nosso."
"O melhor modo de viver em paz é nutrir o amor-próprio dos outros com pedaços do nosso."
17/08/2008
03/07/2008
na Moska!
Aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento.
Relações de dependência e submissão, paixões tristes.
Algumas pessoas confundem isso com amor.
Chamam de amor esse querer escravo,
E pensam que o amor é alguma coisa
que pode ser definida, explicada, entendida, julgada.
Pensam que o amor já estava pronto, formatado, inteiro,
Antes de ser experimentado.
Mas é exatamente o oposto, para mim, que o amor manifesta.
A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado.
O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita.
O amor é um móbile.
Como fotografá-lo?
Como percebê-lo?
Como se deixar sê-lo?
E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor nos domine?
Minha resposta? o amor é o desconhecido.
Mesmo depois de uma vida inteira de amores,
O amor será sempre o desconhecido,
A força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.
A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação.
O amor quer ser interferido, quer ser violado,
Quer ser transformado a cada instante.
A vida do amor depende dessa interferência.
A morte do amor é quando, diante do seu labirinto,
Decidimos caminhar pela estrada reta.
Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos,
E nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim.
Não, não podemos subestimar o amor, não podemos castrá-lo.
O amor não é orgânico.
Não é meu coração que sente o amor.
É a minha alma que o saboreia.
Não é no meu sangue que ele ferve.
O amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito.
Sua força se mistura com a minha
E nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu
Como se fossem novas estrelas recém-nascidas.
O amor brilha. como uma aurora colorida e misteriosa,
Como um crepúsculo inundado de beleza e despedida,
O amor grita seu silêncio e nos dá sua música.
Nós dançamos sua felicidade em delírio
Porque somos o alimento preferido do amor,
Se estivermos também a devorá-lo.
O amor, eu não conheço.
E é exatamente por isso que o desejo e me jogo no seu abismo,
Me aventurando ao seu encontro.
A vida só existe quando o amor a navega.
Morrer de amor é a substância de que a vida é feita.
Ou melhor, só se vive no amor.
E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.
17/06/2008
Sabotagem
Te vejo sorrindo, mexendo com toque. Me achego. Você me aconchega de um tanto que desconheço. Alguém se atirou da janela do carro. Você me olha, convite. Quero ir mas não sei onde. Você chegou e preferi acompanhar seu trajeto parando na porta. Você entrou e eu fiquei, paralisia mórbida. Riso de desconforto. Sem lágrimas, sem som, sem Dom. Cheiro de café por fazer. Restos de uma taça de vinho bebido, com cacos de corpos espalhados caídos. Se cola o espírito, desmancha a saliva. Prepara a língua para lamber fendas adquiridas. Resíduos entrecortados de falas perdidas. Vícios de trato. Óleo guardado pra engrenagens de maquinário usado por outros corpos. Despeja-se o líquido, fica-se com o rótulo.
17/05/2008
Pablo Neruda ( in Confesso que vivi)
... sim senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derroto-as... Amo tanto as palavras... as inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata , são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato , sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites em meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio presentes da onda... Tudo está na palavra... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não esperava e que lhe obedeceu... Têm sombra, transparência, peso, plumas, têm tudo o que se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes... São antiquíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.
20/01/2008
Paixão versus Amor
Por Contardo Calligaris
Comentário sobre o filme "Closer - Perto Demais" publicado na Folha de São Paulo
Concordo com Caetano Veloso, "de perto ninguém é normal". Mas “Closer - Perto Demais", de Mike Nichols, me deixou pensando diferente: de perto, somos normais demais.O filme é uma demonstração tocante de nossas impotências e incompetências sentimentais. Se você quer saber por que, em regra, somos infelizes em amor, não perca.Para não estragar o prazer de quem não viu o filme, nada de resumo, apenas as reflexões fragmentárias com as quais passei a noite, depois de ter assistido a “Closer - Perto Demais".
1) Por que, no meio de uma história amorosa que funciona, um encontro (que sempre parece mágico) pode levar alguém a trocar a intimidade de um casal companheiro por uma visão?Os evolucionistas dizem que os homens são infiéis por necessidade biológica. Para que a espécie continue, os machos seriam programados com o desejo de fecundar todas as fêmeas possíveis. A teoria tem uma falha: as mulheres são tão infiéis quanto os homens (embora os homens se recusem a acreditar nessa banalidade).O senso comum tem outra explicação: a paixão iria se apagando com a repetição, os humanos gostariam de novidade. Pequeno problema: a idéia de que a novidade seja um valor é especificamente moderna; no entanto a inconstância em amor é um hábito antigo. Outro problema ainda maior: na condução de nossas vidas, somos obstinadamente repetitivos. Insistimos nas mesmas fantasias e nos mesmos sintomas. Contrariamente ao que diz o provérbio, errar é divino, perseverar é humano. Por que seria diferente em matéria amorosa? Como pode ser que um encontro, em que mal se sabe quem é o outro ou a outra, contenha uma promessa que basta para levar alguém a dar um chute num amor que dura?Tento responder: apaixonar-se é idealizar o outro, durar no amor é lidar com a realidade do amado ou da amada. Antes de ponderar os charmes da idealização, duas observações.
Um impasse: para manter a paixão, devo continuar idealizando o parceiro. Mas, para idealizar o outro, devo mantê-lo a distância. Se mantenho o outro a distância, renuncio aos prazeres de amor, companheirismo, cumplicidade, convivência.Um paradoxo: se me separo porque me apaixono por outra ou outro, o parceiro que deixei se distancia de mim, portanto volto a idealizá-lo e a me apaixonar por ele.
2) Por que gostaríamos tanto de idealizar o outro que vislumbramos num novo encontro? Uma nova paixão amorosa é provavelmente o sentimento que mais pode nos transformar, para o bem ou para o mal. Por exemplo, se o outro me idealiza, carrego seu ideal como um casaco novo: modifico minha postura para que o pano caia bem no meu corpo. De uma certa forma, tento me parecer com o ideal que o outro ama em mim.Cada amor, quando começa, é uma aventura. Não porque encontro um novo parceiro, mas porque, ao me apaixonar, descubro ou invento um novo ideal e, ao ser amado, mudo para me aproximar do que o outro imagina que eu seja.A inconstância amorosa talvez seja a expressão imediata do desejo de mudar _não de trocar de parceiro, mas de se reinventar.Não é estranho que, na hora em que um amor começa, alguém decida se dar um novo nome. Nenhuma mentira nisso, apenas a convicção e a esperança de que a paixão nos transforme.Infelizmente, mudar é difícil: a sedução exercida pelos novos amores é uma veleidade, um pouco como as resoluções de que as coisas serão diferentes no ano que começa.
3) Dizem que um casal que se ama briga muito. O uso erótico das brigas é conhecido: a paz se faz na cama. Menos conhecido é o uso amoroso das brigas: chegar ao limite da ruptura pode ser um jeito de recomeçar, de voltar ao momento inicial da paixão, quando ambos esperavam que o amor os transformasse.Problema: ninguém sabe qual é o ponto de equilíbrio além do qual as brigas não garantem renovação nenhuma, apenas desgastam um amor que se perde.
4) Alguém se apaixona por outra pessoa porque, ele se queixa, sua parceira precisa dele. É aquela coisa: seu amor me exige demais, você me sufoca, me prende. Isso, é claro, é um jeito de dizer: com você sou sempre o mesmo. Também é uma projeção: separo-me porque não agüento minha própria dependência de você. Visto que me detesto por estar a fim de lhe pedir amor a cada minuto, acho intolerável que você me peça. Quem pensa e age assim, em geral, fica sozinho no fim.
5) Um homem volta para o lar depois de ter estado nos braços de outra. Sua mulher pergunta: você me ama ainda? Ela tem razão, é a única pergunta que importa.Uma mulher volta para o lar depois de ter estado nos braços de outro. Seu homem pergunta: você esteve com ele? Insiste: quero a verdade. Pede os detalhes: gostou? Gozou? Onde aconteceu, em que posição, quantas vezes?O ciúme feminino é uma exigência amorosa. O ciúme do homem é uma competição com o outro, um duelo de espadas, uma esgrima homossexual que tem pouco a ver com o amor pela amada e muito a ver com as excitantes lutinhas masculinas da infância.Enfim, quem sabe o filme nos ajude a inventar jeitos de amar menos desafortunados e mais interessantes.
Comentário sobre o filme "Closer - Perto Demais" publicado na Folha de São Paulo
Concordo com Caetano Veloso, "de perto ninguém é normal". Mas “Closer - Perto Demais", de Mike Nichols, me deixou pensando diferente: de perto, somos normais demais.O filme é uma demonstração tocante de nossas impotências e incompetências sentimentais. Se você quer saber por que, em regra, somos infelizes em amor, não perca.Para não estragar o prazer de quem não viu o filme, nada de resumo, apenas as reflexões fragmentárias com as quais passei a noite, depois de ter assistido a “Closer - Perto Demais".
1) Por que, no meio de uma história amorosa que funciona, um encontro (que sempre parece mágico) pode levar alguém a trocar a intimidade de um casal companheiro por uma visão?Os evolucionistas dizem que os homens são infiéis por necessidade biológica. Para que a espécie continue, os machos seriam programados com o desejo de fecundar todas as fêmeas possíveis. A teoria tem uma falha: as mulheres são tão infiéis quanto os homens (embora os homens se recusem a acreditar nessa banalidade).O senso comum tem outra explicação: a paixão iria se apagando com a repetição, os humanos gostariam de novidade. Pequeno problema: a idéia de que a novidade seja um valor é especificamente moderna; no entanto a inconstância em amor é um hábito antigo. Outro problema ainda maior: na condução de nossas vidas, somos obstinadamente repetitivos. Insistimos nas mesmas fantasias e nos mesmos sintomas. Contrariamente ao que diz o provérbio, errar é divino, perseverar é humano. Por que seria diferente em matéria amorosa? Como pode ser que um encontro, em que mal se sabe quem é o outro ou a outra, contenha uma promessa que basta para levar alguém a dar um chute num amor que dura?Tento responder: apaixonar-se é idealizar o outro, durar no amor é lidar com a realidade do amado ou da amada. Antes de ponderar os charmes da idealização, duas observações.
Um impasse: para manter a paixão, devo continuar idealizando o parceiro. Mas, para idealizar o outro, devo mantê-lo a distância. Se mantenho o outro a distância, renuncio aos prazeres de amor, companheirismo, cumplicidade, convivência.Um paradoxo: se me separo porque me apaixono por outra ou outro, o parceiro que deixei se distancia de mim, portanto volto a idealizá-lo e a me apaixonar por ele.
2) Por que gostaríamos tanto de idealizar o outro que vislumbramos num novo encontro? Uma nova paixão amorosa é provavelmente o sentimento que mais pode nos transformar, para o bem ou para o mal. Por exemplo, se o outro me idealiza, carrego seu ideal como um casaco novo: modifico minha postura para que o pano caia bem no meu corpo. De uma certa forma, tento me parecer com o ideal que o outro ama em mim.Cada amor, quando começa, é uma aventura. Não porque encontro um novo parceiro, mas porque, ao me apaixonar, descubro ou invento um novo ideal e, ao ser amado, mudo para me aproximar do que o outro imagina que eu seja.A inconstância amorosa talvez seja a expressão imediata do desejo de mudar _não de trocar de parceiro, mas de se reinventar.Não é estranho que, na hora em que um amor começa, alguém decida se dar um novo nome. Nenhuma mentira nisso, apenas a convicção e a esperança de que a paixão nos transforme.Infelizmente, mudar é difícil: a sedução exercida pelos novos amores é uma veleidade, um pouco como as resoluções de que as coisas serão diferentes no ano que começa.
3) Dizem que um casal que se ama briga muito. O uso erótico das brigas é conhecido: a paz se faz na cama. Menos conhecido é o uso amoroso das brigas: chegar ao limite da ruptura pode ser um jeito de recomeçar, de voltar ao momento inicial da paixão, quando ambos esperavam que o amor os transformasse.Problema: ninguém sabe qual é o ponto de equilíbrio além do qual as brigas não garantem renovação nenhuma, apenas desgastam um amor que se perde.
4) Alguém se apaixona por outra pessoa porque, ele se queixa, sua parceira precisa dele. É aquela coisa: seu amor me exige demais, você me sufoca, me prende. Isso, é claro, é um jeito de dizer: com você sou sempre o mesmo. Também é uma projeção: separo-me porque não agüento minha própria dependência de você. Visto que me detesto por estar a fim de lhe pedir amor a cada minuto, acho intolerável que você me peça. Quem pensa e age assim, em geral, fica sozinho no fim.
5) Um homem volta para o lar depois de ter estado nos braços de outra. Sua mulher pergunta: você me ama ainda? Ela tem razão, é a única pergunta que importa.Uma mulher volta para o lar depois de ter estado nos braços de outro. Seu homem pergunta: você esteve com ele? Insiste: quero a verdade. Pede os detalhes: gostou? Gozou? Onde aconteceu, em que posição, quantas vezes?O ciúme feminino é uma exigência amorosa. O ciúme do homem é uma competição com o outro, um duelo de espadas, uma esgrima homossexual que tem pouco a ver com o amor pela amada e muito a ver com as excitantes lutinhas masculinas da infância.Enfim, quem sabe o filme nos ajude a inventar jeitos de amar menos desafortunados e mais interessantes.
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