30/07/2007

síndrome de Gabriela

Lembra aquela música "Eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim, vou ser sempre assim: Gabriela"? Então, essa compulsão a repetição dos vínculos afetivos está retratada no filme "Medos Privados em Lugares Públicos". O filme é enfadonho! Nas últimas cenas até dei uns cochilos... Olhei ao lado e a platéia estava, no geral, amontoada nas poltronas do cinema. Foram duas horas de longa tortura presenciando a mesma trama vivida pelos personagens, que trocavam de parceria, sem alterar a forma das relações. Interlocutores pareciam roupas, que se trocam sem alterar o corpo. Alí no cinema, perdi duas horas e R$14,00 da entrada. Mas o chocolate quente, servido no café do cinema, estava ótimo!
O filme retrata, de maneira fiel, o aprisionamento psíquico dos personagens da trama, assim como a ausência de comunicação dos elementos conflitivos que surgem do contato entre os envolvidos. Não há comunicação efetiva, há esbarrões entre os personagens. Seria uma comédia da vida privada se não fosse tão triste... Termina como começou: muito discurso pra pouca fala. Como o filme não aponta nenhuma saída, depois de uma hora e tanto eu estava era com muito sono... Muito refém pra pouco crime. Mas... fidedigno.

27/07/2007

Sobre a origem da poesia

Por Arnaldo Antunes em "12 Poemas para dançarmos"

A origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem.Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem verbal deixou de ser poesia. Ou: qual a origem do discurso não-poético, já que, restituindo laços mais íntimos entre os signos e as coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas.Como se ela restituísse, através de um uso específico da língua, a integridade entre nome e coisa — que o tempo e as culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história.
A manifestação do que chamamos de poesia hoje nos sugere mínimos flashbacks de uma possível infância da linguagem, antes que a representação rompesse seu cordão umbilical, gerando essas duas metades — significante e significado. Houve esse tempo? Quando não havia poesia porque a poesia estava em tudo o que se dizia? Quando o nome da coisa era algo que fazia parte dela, assim como sua cor, seu tamanho, seu peso? Quando os laços entre os sentidos ainda não se haviam desfeito, então música, poesia, pensamento, dança, imagem, cheiro, sabor, consistência se conjugavam em experiências integrais, associadas a utilidades práticas, mágicas, curativas, religiosas, sexuais, guerreiras? Pode ser que essas suposições tenham algo de utópico, projetado sobre um passado pré-babélico, tribal, primitivo. Ao mesmo tempo, cada novo poema do futuro que o presente alcança cria, com sua ocorrência, um pouco desse passado.
Lembro-me de ter lido, certa vez, um comentário de Décio Pignatari, em que ele chamava a atenção para o fato de, tanto em chinês como em tupi, não existir o verbo ser, enquanto verbo de ligação. Assim, o ser das coisas ditas se manifestaria nelas próprias (substantivos), não numa partícula verbal externa a elas, o que faria delas línguas poéticas por natureza, mais propensas à composição analógica. Mais perto do senso comum, podemos atentar para como colocam os índios americanos falando, na maioria dos filmes de cowboy — Eles dizem "maçã vermelha", "água boa", "cavalo veloz"; em vez de "a maçã é vermelha", "essa água é boa", "aquele cavalo é veloz". Essa forma mais sintética, telegráfica, aproxima os nomes da própria existência — como se a fala não estivesse se referindo àquelas coisas, e sim apresentando-as (ao mesmo tempo em que se apresenta). No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermediam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação pois vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre nós e o mundo.
Segundo Mikhail Bakhtin, (em "Marxismo e Filosofia da Linguagem") "o estudo das línguas dos povos primitivos e a paleontologia contemporânea das significações levam-nos a uma conclusão acerca da chamada 'complexidade' do pensamento primitivo. O homem pré-histórico usava uma mesma e única palavra para designar manifestações muito diversas, que, do nosso ponto de vista, não apresentam nenhum elo entre si. Além disso, uma mesma e única palavra podia designar conceitos diametralmente opostos: o alto e o baixo, a terra e o céu, o bem e o mal, etc". Tais usos são inteiramente estranhos à linguagem referencial, mas bastante comuns à poesia, que elabora seus paradoxos, duplos sentidos, analogias e ambiguidades para gerar novas significações nos signos de sempre. Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis — os poemas — contaminando o deserto da referencialidade.

Incluído no libreto do espetáculo “12 Poemas para dançarmos”, dirigido por Gisela Moreau, São Paulo

23/07/2007

marcas do trágico

"A minha renuncia, enche minh'alma e o coração de tédio. A tua renuncia, dá-me um desgosto que não tem remédio. Amar é viver, é um doce prazer, embriagador e vulgar. Difícil no amor, é saber renunciar!"(Roberto Martins e Mário Rossi)

Amor... palavra utilizada amplamente para tentar significar laço, vínculo. Infelizmente, tão utilizada para se referir a tantos sentimentos diferentes que até se banalizou. A importância do amor nas relações é algo recente.
Tudo começou por volta do século XII, quando os poetas cantavam o amor proibido à mulher amada. O alvo de amor do poeta era uma mulher casada, nobre, linda e totalmente fora de alcance. Os respectivos maridos não se sentiam ameaçados com as declarações públicas. O que sustentava o casamento nada tinha a ver com essa coisa chamada Amor. Isso era coisa de poeta.
Mas como tudo que é efetivo em qualquer história, a corrosão do amor, dentro da instituição família, foi acontecendo lentamente... Esse sentimento passou a ser considerado fundamental no Romantismo, lá pelo século XVIII. Mas os românticos ainda carregavam a herança do amor trágico onde o objeto de amor continuava sendo proibido, sendo este o elemento de base nas construções poéticas. O amor tinha que ser intenso, violento e trágico.
Apesar de sermos filhotes do Romantismo, vivemos num período Pós Moderno e temos demandas diferenciadas do século XVIII. Tanto o homem quanto a mulher precisam caminhar com as próprias pernas... A dama já não deve ficar esperando no alto da torre seu caveleiro dourado. Já não é possível sustentar o equivalente trágico do romantismo. Chega o tempo do amor a ser construído em sua possibilidade de existência. A mulher não é proibida porque existe o divórcio. Aparentemente o mundo ficou mais simples, descrito assim. No entanto, a herança do trágico permeia a construção subjetiva dos amantes onde o sacrifício continua tendo um lugar dentro das relações. Sacrifício e flexibilidade geralmente ainda não se diferenciam tão fácil.
O amor não é vulgar, ele traz vivências efêmeras com uma possibilidade de registro sublime, dentro de uma construção permanente. Em poucas palavras, Calligaris descreveu o amor entre homem e mulher na expressão "é quase impossível ficar sem você", muito diferente do apego que poderia ser formulado como "preciso Ter você". A ausência do objeto amado gera uma dor muito específica no amante.
Então, sem pretenção de dissecar o trecho poético descrito acima, nessa versão parece que o amor deve conter renúncia, sendo esta sinônimo de "tédio e desgosto". Que amor tedioso e desgostoso é esse? Será que é amor? Essa descrição mais se assemelha à falta de amor que com a presença dele.
Sob o risco de distorção da poesia, peço perdão aos poetas... mas os tempos mudaram

efeito Elsa & Fred



Assisti o filme Elsa & Fred há alguns dias. Hesitei várias vezes antes de me decidir por pegar esse filme na locadora, aparentemente se tratava de mais uma comédia "água com açucar". Ledo engano. Conta a história de uma senhorinha muito simpática que leva às últimas consequências a idéia de vida, sapiente de sua condição de morte próxima. Elsa conhece Fred, um viúvo que se muda para o apartamento em frente ao seu. Fred está deprimido pela perda da esposa há poucos meses.
Elsa propõe lentamente que se conheçam e logo começa sugerir aventuras que possam vivenciar juntos.
Fred a chama de louca e, apesar de sinalizar toda a dificuldade em sair do estilo de vida cultivado como certo e saudável, começa a se permitir viver situações inusitadas em sua vida até então "certa demais"... um tanto monótona e desprovida de sentido fora da sensação de "dever cumprido".
Inevitavelmente pensei na maioria das relações conjugais que conheço. Relações "seguras", de continuidade garantida sob a certeza de permanência do outro, "por e apesar" de qualquer eventualidade. Relações "certas", "direitas", postas. Nenhum dos envolvidos precisa se esforçar por fazer acontecer nada de diferente ou por comunicar regularmente no quê o outro lhe é instigante, curioso.... É terrível quando num casal se estabelece a sensação de esgotamento, explícita na frase: "como te conheço bem!". Que ilusão! Infelizmente este fenômeno recorrente expressa água parada... e a vigilância sanitária alerta: água parada gera bicho!
Mas o fenômeno Elsa & Fred se refere ao oposto desse malogro. Sugere a necessidade humana da invenção, da criação, da necessidade de cavarmos espaços nas nossas relações para que possa surgir o inusitado, o que não imaginamos possível sermos.
Saber dessa necessidade implica na responsabilidade de se implicar nessa rota ou se decidir por ignorá-la. Nesse sentido, a indústria farmacêutica pode ser últil com seus inúmeros placebos que aplacam a dor por ter vislumbrado outra forma de vida.

15/07/2007

Sedução

por: Flora Figueiredo

A vida mostrou seu decote profundo
na esperança vã de seduzir o mundo.
Passou despercebida.

Por mais que ela insista,
não se lhe oferece chance de conquista.
Mas vale a tentativa:
Só quando a vida ousa, permanece viva.

13/07/2007

poema a 4 mãos

Difícil de dizer
pois a lingua falha
as vezes cala
em meio a outras malhas
talvez de lençois e travesseiros
por entre colchas e retalhos
os encontros se fazem
de atropelos
mas entre os zelos da malha
aquela que aquece, por fim
Há a grande palavra CORPO
(por Adri Machado)

Se a boca fala
e a língua cala,
nos retalhos da malha
um zelo não se entalha.
O corpo empalha
e a alma encalha
no fio da navalha.
(Por Elaine)

08/07/2007

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Seu jeito de gostar. Um modo de sugerir algo que desperta o paladar, um cheiro. Coisa de cinema. E eu que nem gosto de filme americano onde tudo é explícito, explicável e corroborável. Mas sua forma confunde, tal filme iraniano. E eu no explícito gostar italiano. Seu idioma sutil de palavras com saídas à francesa, retira o refúgio no campo dos símbolos que aplacam incertezas.
"Preciso" apreender suas línguas.