Conheceram-se na faculdade de Letras. Já não lembravam ao certo como se apresentaram, mas parece que em ambas versões aparecia como pretexto um trabalho solicitado na disciplina de Comunicação Intermitente. A professora dessa matéria electiva solicitou aos alunos que escolhessem um interlocutor em sala e com ele trocasse, durante um semestre, algumas cartas cuja temática seria eleita por ambos. Assim, talvez porque sentavam próximos, escolheram-se.
Nas primeiras missivas deixaram com que os assuntos bailassem por campos variados de conhecimentos, preferências, numa verborragia sobre o óbvio. Com o passar do tempo, as cartas foram se modelando como uma massa de argila que vai tomando forma conforme o tato, a umidade e intensidade das mãos que a toca.
Eles não perceberam que sorrateiramente terrenos obscuros escancaravam-se nas letras. Uma série de símbolos resultavam em frases reveladoras à mão, ao corpo e alma do escriba.
O interessante é que a comunicação verbal entre ambos parecia não se beneficiar do conteúdo das cartas; aqueles dois se utilizaram um do outro para dar vida a personagens romanescos confinados ao papel.
Passados meses de intensos solilóquios, juntaram parte do material, entregaram os escritos e continuaram sentados próximos um ao outro sem jamais se apresentarem pra além da liquidez da letra.
Entre uma literal entrega e uma entrega literária, preferiram a segunda.
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