27/03/2007

o t r e m


Um casebre, meia luz, escada rangendo por passos. Portas arrancadas, janelas estilhaçadas. Esperava a visita de um ser disforme. Contrariando o mito de Eros e Psiquê, ao aproximar a luz da face do amante, viu traços horrendos.

A figura não eliciava compaixão, mas piedade... e um tanto de desprezo. Por outro lado, sabia da fragilidade da escolha naquele ser, como uma criança que culpabiliza a bola quando não consegue fazer um gol. O caminho previsível, que ele não se lembrava, era o da sapiência do corpo com seus sinaliza-dores...

Ele disse que ficaria na cidade por ser conhecida. Ela percebeu que ele não poderia sentir saudades do que nunca experimentara.

Ela saiu da cidade fantasma no primeiro trem. Sentou-se na poltrona frente à janela. O cenário gélido desvendava paisagem com árvores secas e lamaçais que indicavam a presença de água... água de outros tempos. Procurou confortar-se. Do que via, vez ou outra, surpreendia-se com a presença de alguns animais à beira da estrada. "Do que viviam? Como se alimentavam?". Naquele instante, vivia inverno mas ilusionava solstício. Ainda estava longe de casa, mas avistava colinas e sinais de presença viva no caminho.

De repente o trem parou. Desembarcou no meio da sala de casa... A TV, ainda ligada, fazia desenrolar à sua frente os letreiros do filme. Acordara do pesadelo.

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