22/04/2007

Notícias da Tabacaria

Fernando Pessoa escreveu um baú de poemas para retratar sua melancolia. Tentativa de elaboração, de empréstimo de símbolo ao inominável? Talvez. Não mostrou boa parte de seus poemas a ninguém. Tabacaria nos faz lembrar que corremos o risco de nos apresentarmos descrentes da idéia de alguém nos ouvir ou entender e passarmos a vida parecendo delegar nosso bem estar a uma fórmula mágica que não existe, como se alguém pudesse vir nos resgatar de um lugar árido, desprovido de gente, esgotados em nós mesmos, sem precisarmos nos esforçar para a saída.

Fernando Pessoa, em sua inesgotável sensibilidade e talento, nos mostra o desdobramento de quando não conseguimos nos alienar um tanto de nós mesmos, aliando-nos de maneira ferrenha através de nossos vários heterônimos, para delatar os fracassos das relações dos outros, dos deslocamentos insanos e deleites efêmeros do mundo dos adultos, do mundo das pessoas que tentam, e que, por isso, estão na rota do acerto e erro. É isso, dentre outros tantos fatores, que faz com que sua obra "nos afete".

Ao ficarmos impossibilitados de nos alienar um tanto do campo das nossas fantasias, caçamo-nos ininterruptamente. Tornamo-nos nosso céu e inferno; gosto e desgosto; alimento e inanição... Neste cenário não se pode ficar a vontade com a própria pele. Pessoa “sabia” que, a todo o momento, a angústia pela vida esvaziada de “sentidos a priori", vela a alma dentro do quarto, tendo a janela como denúncia dos vestígios do mundo estranho, de um mundo incompreensível, cruel ou, no mínimo, banal. A janela é outro, é o olhar do outro, é a compreensão do outro, diferente do olho de quem vê.

Apropriarmo-nos disso se converte na tentativa continuada do esforço por nos traduzir aos olhos do mundo, ou então ficarmos trancafiados em nossos "cômodos" incômodos.

20/04/2007

Instante

por: Elio



Tremo ao te ver passar
Meio sem jeito perco a voz,
Estremeço ao te ver sorrir
Paro de respirar
Desorganizo-me em incertezas
Difíceis de descrever
Foge do consciente
Acho que estou doente, por você
Ansioso, espero outro momento,
Sem saber quando será.
Ansioso, espero outro momento,
Quem sabe prá te dizer...... (te quero)
Sentimentos,
Como encontrar desses o certo?
Se ele existisse!
Quanto futuro ainda teria?
Sinto-me abatido,
Talvez um eterno arrependido
Por não encaixar a fala
Quando mais dela preciso.

12/04/2007

Perda de tempo

_ Moço, me dá meio quilo de alcatra?

_ Senhora, não sei se notou, mas isso é uma padaria.

_ Puxa... não notei... vocês fazem sanduíche de carne?

_ Sim, tem o bife na chapa, filé com queijo e a variação com salada. Todos no pão de hamburguer, francês, no pão de forma, ou ainda o integral.

_ Nossa! Que variedade. Mas se levar pra casa e ficar frio, devo desmontar o lanche pra esquentar e comer?

_ Aí já não sei, minha senhora! Pode comer frio também.

_ Não sei se vale a pena...

_ E aí, a senhora vai querer o lanche ou não?

_ Sabe o que é, moço, faz um tempo que como lanche de carne... essa coisa que deixa os fiapos no meio dos dentes, sacia na hora, dá até uma certa felicidade... Depois passa e lá tô eu com fome de novo.

_ Não posso fazer nada pela senhora. Passar bem.

E foi só nesse momento tardio, depois de muito perturbar o sujeito da padaria, que a digníssima se dirigiu a um açougue.

09/04/2007

apego




Ela: Você me ama?

Ele: Amo.

_ Então me mostra!

_ Como você se atreve a olhar pra aquele cara?

_ Que lindo! Você tem ciúmes de mim!

_ Claro! Você não me desperta mais curiosidade, nem desejo, nem vontade de ficar por perto. Há anos não tenho nada a te dar, mas me deixa enraivecido pensar que um outro alguém possa.

_ Nunca me senti tão amada! Faz de novo? Você me ama?

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